Dalton Trevisan: discreto, 'Vampiro de Curitiba' nos tirou a comemoração do centenário em vida
11/12/2024
Escritor morreu aos 99 anos, depois de longa carreira de sucesso e discrição. Dalton Trevisan não dava entrevistas, mas falava por meio de suas obras
Em uma segunda-feira chuvosa, fria e cinzenta de dezembro, Dalton Trevisan partiu aos 99 anos. Parece que escolheu o dia a dedo.
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A morte nos tirou a possibilidade da comemoração do centenário do escritor em vida. Situação quase coerente, já que se trata de alguém que valorizava tanto a discrição.
Enquanto trabalhava na reedição do livro "O Vampiro de Curitiba", o escritor disse à representante editoral Fabiana Faversani que a nova edição deveria ser comemorativa pelos 60 anos de existência de Nelsinho, protagonista da obra.
"Espero que não seja pelo meu centenário, porque isso não se comemora", disse, na época, à editora.
A cidade que existe
O escritor Dalton Trevisan em imagem de 1976.
Estadão Conteúdo
Fomos dormir pensando que o Vampiro de Curitiba havia nos deixado. Mas naquele momento esquecemos que um vampiro nunca morre. E quando o vampiro em questão é Dalton Trevisan, seria preciso muito mais do que alho, estacas, balas de prata ou água benta.
Dalton ainda vive, porque está presente nas entranhas de Curitiba.
Está presente no que nasce – e mais ainda no que deixa de nascer – entre os petit pavé do centro de Curitiba. Está presente nos copos dos botecos da cidade, e na conversa entre as prostitutas do Passeio Público.
Se o g1 considerou que Paulo Leminski pertenceu à Curitiba da mesma forma que a capital paranaense o pertenceu, é correto afirmar que com Dalton foi o mesmo. Mas a cidade a qual ele pertence é aquela que não é citada nos jornais, a menos quando algo não sai como o esperado.
Dalton jogou os olhos e criou em cima daquilo que, muitas vezes, a cidade prefere ignorar. Retratou as contradições da existência por meio das tramas psicológicas e dos costumes urbanos.
O que não o contavam, ele escutava atrás das portas.
Por que Dalton Trevisan era conhecido como o 'Vampiro de Curitiba'?
A reclusão do vampiro
Dalton Trevisan
Reprodução/RPC
Escolheu pela reclusão. Viveu longe de entrevistas e fotografias a maior parte da vida. Despido de vaidade, mas vestido de literatura, falava através das suas obras.
Ao menos, podemos comemorar que Dalton teve reconhecimento em vida. Recebeu o Jabuti e o Camões — os mais importantes para autores em língua portuguesa.
No entanto, não se deixou levar pela imodéstia: no comunicado oficial do prêmio Camões, a organização divulgou que não havia conseguido contato com o escritor para avisá-lo da homenagem.
Além das obras publicadas, Dalton foi também um dos fundadores da Revista Joaquim, que teve 21 edições publicadas entre 1946 e 1948.
"A Revista Joaquim teve uma importância muito grande, não apenas no cenário paranaense, mas também no cenário nacional, era no pós-guerra. É uma revista que tem uma visão do Brasil enquanto parte do mundo, e não uma visão nacionalista. Ela foi responsável pela tradução de grandes escritores internacionais, pela discussão de arte, de uma arte internacional, e principalmente por um formato mais leve de leitura, que vai ser a marca de toda a trajetória da revista", explica o crítico literário Miguel Sanches Neto.
De acordo com ele, a revista trouxe à provincial Curitiba, um pouco dos sabores do mundo.
"É uma revista feita na província, mas não com uma visão provinciana, justamente contra essa ideia provinciana de arte. O slogan da revista Joaquim era que Curitiba devia ser igual a Tóquio, Nova Iorque ou Paris, ou seja, ter o mesmo perfil cosmopolita dessas cidades. [...] A revista vai romper com esse cenário local, que era um cenário muito conservador, retrógrado", detalha.
Quase todas as fotos que temos, são de Dalton jovem, como um bom vampiro. Agora, contra a própria vontade, o rosto do escritor estampa capas de jornais e publicações nas redes sociais.
A reclusão vivida por Dalton pautou também a própria morte. Não haverá velório, nem despedida. Afinal, um vampiro nunca morre.
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